Newton Moreno

NEWTON MORENO

Nascido em Recife, formou-se em Bacharel em Artes Cênicas pela Unicamp, no espetáculo Primeiras Estórias, adaptado e dirigido por João das Neves em 1995 e é Mestre em Artes Cênicas pela USP com orientação da Profa. Dra. Sílvia Fernandes

Em 2001, encenou seu primeiro texto Deus Sabia de Tudo e Não Fez Nada, que cumpriu temporada no TUSP e no Teatro Sérgio Cardoso entre 2001 e 2003.

É autor de Agreste por este texto ganhou o Prêmio Shell de Melhor Autor e o Prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Artes) de Melhor Autor em 2004.

Recebeu Bolsa Vitae de Artes em 2003 para realizar livre adaptação teatral do livro Assombrações do Recife Velho de Gilberto Freyre. Encenado por seu grupo, Os Fofos Encenam, este espetáculo ganhou os Prêmio Qualidade Brasil 2005 de Melhor Espetáculo, Direção e Ator na categoria Comédia e teve indicações ao Prêmio Shell de Teatro de 2005 para direção, iluminação e música.

Desenvolveu juntamente com Antônio Rogério Toscano texto para espetáculo do Núcleo Experimental do SESI, com a coordenação de Georgette Fadel: Santa Luzia passou por aqui com seu cavalinho comendo capim.

Dentro (que participou da Mostra de Dramaturgia Contemporânea do SESI em 2002) e A Cicatriz é a Flor, estes dois textos juntos compõe a primeira etapa do Projeto Carne/Body Art e foram encenados no Teatro de Arena em maio de junho de 2004.

A Refeição ( resultado da oficina de dramaturgia ministrada pelo Royal Court Theatre em 2004 em São Paulo e em 2005 em Londres ), The Célio Cruz Show, Jacinta, Ivan & Isabel e Berço de Pedra são textos inéditos.

CapaMoreno

Agreste na Palco sur scène

É uma grande felicidade para essa biblioteca poder publicar Newton Moreno e abrir esse livro com a premiada Agreste.

Na sombra de um velho cajueiro, seu narrador nos conduz através dos caminhos banhados pelo sol ardente do nordeste brasileiro, onde nas cercas que divisam a trama dessa peça, amantes tímidos como caramujo colhem um perfume, um beijo ou mesmo uma flor do tempo antigo que ninguém mais cultiva: a malva-rosa.

Pontuado pela música seu canto é bem humorado: “Os dentes que faltavam em cima, ele tinha embaixo; e vice-versa. De modo que quando ele sorria, os dentes se encaixavam num sorriso de uma fileira só, mas sem buraco.”

Num tom mais grave porém ele avisa em meio a dança que festeja o encontro do amor: algo fatal que não devia acontecer aconteceu.

Construída a partir da noção de ignorância e horror na peça nos é dado ver um casal benquisto e discreto, sem nome, sem filhos. sem idade, que planta a vida como marido e mulher deixando o tempo passar por vinte e dois anos: rochas velhas secando na espera no sol. “Até hoje.”

A narração cai no presente e coloca “ela” no papel de viúva do enigmático Etevaldo, que quando morto descobrimos ser mulher. A inversão do outro é o sortilégio que o destino preparara aos amantes no desfecho de Grande Sertão: veredas, mas no Agreste ela é um dos elementos da intriga, que continua a se desenvolver depois de sua revelação.

Os poderes terrestres e espirituais desenterram a pior parte deles para julgar a suposta transgressão dessa mulher, que nada mais conseguia entender além da dor da perda. As piores palavras da língua encerram a trágica sentença inevitável, como já foi antes dela a que se reservou a Branca Dias no clássico da nossa dramaturgia O Santo inquérito de Dias Gomes.

Sem o poder de articular em palavras sua defesa ou seu medo de viver sem “ele” – cantou, sua fé com devoção sincera e recebeu a bênção de morrer com Etevaldo. O que é o amor? Dor e alívio: em meio às chamas que já empenavam as paredes do casebre e em breve irião devorar o corpo dos amantes, ela segurava um candeeiro aceso. Revela-se para ela pela primeira vez o enigma de seu ser-signo. Descobriu então o que era mulher.

O sol é a verdade de Newton Moreno, sua cultura, sua família. Este poema dramático que nos é narrado e dançado embaixo de um velho cajueiro, nos confirma que o humano pode ser grande e ter sotaque brasileiro.

Marinilda Bertolete Boulay
Coordenadora coleção Palco sur Scène

Body Art e A Refeição na Palco sur Scène

Da cicatriz ao coração

Por Silvana Garcia

À parte suas outras qualidades, Newton Moreno é um autor corajoso. Essa atitude transparece na escolha de seus temas e na elaboração de uma linguagem que busca conciliar a crueza que os temas exigem com a limpidez dos sentimentos que empresta às personagens.

Newton é um autor que fala de amor e sexo, sem que seja possível distinguir um do outro. Não fala deles, porém, com os lugares-comuns que consumimos cotidianamente, de modo inconseqüente. Pelo contrário, nos dá desses motivos aspectos inusitados, surpreendentes, até mesmo, diríamos, desconfortáveis.

Nos textos que compõem este volume, Newton explora diferentes situações, variando condições e personagens, mas sempre referido àquele eixo, cumprindo um movimento circular que nos leva de paisagens inocentes – sempre uma inocência transgressora, é verdade – até lugares mais recônditos, assustadores, onde enfrentamos culpa e medo.

Vontade de transcendência e carnalidade descomedida, eis os motivos combinados que ele expõe em situações de imaginário extravagante. São relatos de encontros breves, porém de grande intensidade, momentos de profunda carência, de urgente precisão, que só chegam à saciedade no corpo do outro. Literalmente.

Seu leit-motiv é o desejo como ato de canibalismo, de antropofagia como via de satisfação plena ou redenção. O outro é a pele que deve ser vestida, a carne a ser devorada, sob condição de posse absoluta, mas, ao mesmo tempo, gesto derradeiro de dissolução no outro, movimento de fusão que pode alcançar dimensão quase sublime, divinal. No limite, manifesta-se como necessidade de reprodução do ato original, de gênese, êxtase de deus no momento da criação. Não à toa, no episódio “…Das cidades”, em A Refeição, a devoração se inicia pela língua e tem dimensão simbólica de ato de preservação da fala, do Verbo. O pensamento se faz na boca, diziam os dadaístas.

Sim, Newton é obsceno, se quiserem. Ele desafia o pudor, ele manifesta sentimentos e idéias que costumam ser banidos sem indulgência pela sociedade-bem-comportada, esta sim indecente em sua hipocrisia e moralismo. Sua dramaturgia pode ferir como as lâminas que desenham a cicatriz ou como a mordida voraz que inicia o ritual. Mas sua busca é de um resultado de beleza e apaziguamento. Pretende chegar ao coração pulsante, colhido por mãos trêmulas, como as mãos calejadas do artesão, que temem segurar a porcelana fina que criaram.