RODRIGO DE ROURE nasceu em 1976, no Rio de Janeiro. Formou-se ator em 1999 na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras), estudou Teoria do Teatro na Universidade do Rio de Janeiro e integrou por quatro anos o Grupo Alice118 dirigido por Ana Kfouri. Em 2001/2002, Rodrigo decide parar de trabalhar como ator para escrever. É nesse espaço de tempo que escreve a novela, em primeira pessoa, “Senhora Coisa”, logo levada à cena como monólogo. “Senhora Coisa” foi selecionada para o projeto “Nova Dramaturgia Brasileira” no Rio de Janeiro em 2002. Simultaneamente ao texto “Senhora Coisa”, também foram escritos os poemas “As Rosas Secas No varal”, obra não publicada, a partir da voz da mesma personagem. No mesmo ano, a pedido de Ana Kfouri, escreve “As Impostoras” para o encerramento das atividades do CEAE – Centro de Estudo Artístico Experimental. Nos anos seguintes escreve os textos: “Preâmbulo de Uma Carta de Adeus”, “Muitos Anos de Vida”, “Os Últimos Dias de Gilda”, “Preguiça” e “Terra do Fogo”. Em 2005, os textos “Senhora Coisa” e “Os Últimos Dias de Gilda” foram traduzidos para o francês e participaram da mostra “Teatro em Obras”, projeto capitaneado pela Cia. Mugiscue, dirigida por Thomas Quillardet no Théâtre de La Cité Internationale, Paris – França. Ainda neste ano escreve o poema “Facas Pontas e Miragens” , obra não publicada, também levado à cena em 2006.

Junto aos novos autores do projeto Nova Dramaturgia Carioca, liderado por Roberto Alvim, Rodrigo de Roure participou de Workshops ministrados por dramaturgos brasileiros como, Bosco Brasil, João Bettencourt e os professores da escola inglesa de dramaturgia Royal Court Theatre.

Em 2006, o texto Le Derniers Jours de Gilda (“Os Últimos dias de Gilda”), foi selecionado pelo grupo francês “Aneth” para ser divulgado em seu site oficial. Ainda neste ano, o texto “Terra do Fogo” participa do projeto “Dramaturgias” do CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo. Em 2007, escreve para a Companhia de Dança Centro Cultural Carioca os textos do espetáculo “Dancing Eldorado”.

Rodrigo de Roure ministra oficinas de teatro no CEAE – Centro de Estudo Artístico Experimental, sob a coordenação de Ana Kfouri, desde 2001.

CapadeRoure

OS ULTIOS DIAS DE GILDA E SENHORA COISA

É com alegria e orgulho que escrevo estas poucas linhas sobre Rodrigo de Roure, querido parceiro já há alguns anos, primeiro como ator do Grupo Alice 118, depois como dramaturgo da Cia Teatral do Movimento (CTM), ambos os grupos por mim dirigidos. Mas antes de falar sobre ele, reflito um pouco o sobre o panorama artístico em que Roure se insere.

Uma boa parcela do teatro contemporâneo vem trabalhando e pensando o teatro de forma não hierárquica, no sentido de não mais entenderem a cena como materialização de um texto, de uma ação dramática, realizando outros processos de feitura da cena, nos quais, por exemplo, a luz, a sonoridade, a corporeidade, para citar apenas alguns aspectos, podem ser também enunciados e pontos de partida para o fazer cênico. É perceptível nesses tipos de montagem a construção de dramaturgias que rompem com a estruturação convencional do gênero dramático, assim como recusam “esquemas” espaciais ilusionistas, fundados em pressupostos tais como a frontalidade da cena, a separação entre palco e platéia e a demarcação de um espaço específico para o acontecimento teatral, destinado somente à representação, premissas cênicas estreitamente relacionadas ao gênero dramático genuíno.

Dentro deste panorama é interessante notar, neste início do século XXI, uma demanda significativa de produção dramatúrgica de jovens autores, que tem aquecido os palcos cariocas com leituras e encenações e, conseqüentemente, enriquecem a discussão sobre dramaturgia e escrita cênica. São autores jovens, oriundos de universidades e grupos de teatro, que escrevem e dirigem seus textos ou, de alguma maneira, estão atrelados diretamente a um diretor e a um grupo, escrevendo para a cena, acompanhando os ensaios, produzindo seus textos juntamente com o processo criativo do grupo, vivenciando o dia a dia da prática teatral, como Camilo Pellegrini, Daniela Pereira de Carvalho, Pedro Brício, Roberto Alvim, Rodrigo de Roure, entre muitos outros.

Venho acompanhando a trajetória de Rodrigo em sua firme determinação e dedicação à palavra escrita. Roure demonstra grande fluência em monólogos, como Senhora Coisa, Preâmbulo de uma carta de adeus e Os últimos dias de Gilda. Mas nos textos As impostoras, Muitos anos de vida e Preguiça esta fluência também se faz presente em um constante fluxo de consciência, manifestado através de imensas construções monológicas e de diálogos que, ágeis, refletem este pensamentear. Roure dialoga com as questões da contemporaneidade com espírito crítico, e não teme o fluxo verbal, com referências teatrais e literárias diversas, característica já marcante em sua produção textual. Uma profusão, então, de referências e citações – teatrais, literárias, documentais, entre outras – livremente transformadas e retomadas, cria um terreno híbrido, de escritas várias, fragmentadas, que se desfazem, se renovam, se refazem em contextos diversos. Esta marca significativa tece a dramaturgia de Roure, fortemente desdramatizada e lírica.

Em Preguiça, peça escrita especialmente para a CTM, Roure brinca com as palavras, diverte-se em produzir sentidos e desfazê-los, em criar nexos pelos sons, pelo ritmo, em criar outras palavras a partir das próprias palavras, em dizer e desdizer, em afirmar e duvidar da própria afirmação. A produção dramatúrgica de Roure nesta peça explora as tensões do homem contemporâneo relacionadas ao “fazer”, ao “agir”, ao “produzir”, com citações a diversas épocas, questionando a experiência de “tempo” que o mundo capitalista vivencia. A dramaturgia de Preguiça buscou constituir um discurso impreciso e indeterminado, com personagens esvaziados de sentido psicológico, com lapsos constantes de memória, num constante rir de si mesmo, trabalhando as tensões do homem contemporâneo com agilidade e humor, assumidos enquanto artifício.

Outra característica na escrita dramatúrgica de Rodrigo de Roure, e que considero bastante importante, é a exploração que o autor faz da capacidade performática individual dos atores para quem escreve, como, por exemplo, em Preguiça, Preâmbulo de uma carta de adeus, As impostoras e Os últimos dias de Gilda, aproveitando as singularidades e estranhezas deles, misturando-as com as suas próprias, criando um texto no qual estas características ao mesmo tempo se evidenciam e desaparecem. Por exemplo, em Preguiça, Roure e eu batizamos os personagens com os nomes dos próprios atores. A idéia era que os atores construíssem, desta forma, “personagens” com os personagens que foram criados para eles e a partir deles. Este era o jogo proposto: aqueles personagens não seriam representações fidedignas e essenciais da “identidade” de cada ator, nem contariam histórias ou lembranças de suas vidas. Foram e não foram inspirados neles. Foram, porque Roure utilizou-se de suas aparências físicas, de suas idiossincrasias, de suas habilidades cênicas e de todo o material textual levantado por eles; e não foram porque tudo era invenção, construções híbridas, nascidas delas próprias, advindas da coleta de informações e somadas à livre imaginação do autor.

Rodrigo de Roure escreveu Senhora Coisa primeiramente como conto, tendo realizado a presente adaptação para texto teatral, em forma de monólogo, ao ser selecionado com este texto para o Projeto Nova Dramaturgia Brasileira, em 2002. Ambas as peças, Senhora Coisa e Os últimos dias de Gilda, que constituem a presente edição, fizeram bastante sucesso quando encenadas, e comprovam o universo poético-patético que povoa os personagens da dramaturgia de Roure, confirmando a intensidade lírica, lúdica e desdramatizada do autor, e inserindo-o entre os melhores desta geração de novos autores atuantes no Rio de Janeiro no início do séc XXI.

Ana Kfouri
Diretora da Cia Teatral do Movimento, e do Grupo Alice 118, idealizadora e coordenadora do Centro de Estudo Artístico Experimental e Mestre em teatro pela UNIRIO.